A PRÁTICA CLÍNICA INFANTIL

Começo este texto sobre a prática clínica infantil, ressaltando que para trabalhar com crianças, alguns pontos são fundamentais.

E primeiramente, é essencial que você goste delas, para que consiga estabelecer uma relação de empatia e assim adentrar o mundo que elas estão vivenciando.

Para isso, se faz necessário resgatar aquela criança que fomos trazendo à tona as nossas lembranças e vivências.

Permitir então a nossa criança interior a brincar, ser espontânea, a se divertir e assim tornar o setting terapêutico um grande laboratório de experiências.

Com isso, gostaria de me apresentar. Me chamo Sarah Izis, sou especialista em desenvolvimento infantil e atuo principalmente com crianças com transtornos de desenvolvimento.

O trabalho com crianças sempre me despertou curiosidade. Comecei a enxergar a interação com as crianças de uma outra forma, assim como a infância, suas relações e o brincar. E ali, me encontrei.

O processo de escolha da minha área de atuação começou desde o primeiro semestre da graduação, onde estagiei na clínica-escola da faculdade.

E a partir deste momento, em toda a minha caminhada acadêmica, me direcionava de alguma forma para o público infantil e as relações que o permeavam, o que posteriormente agregou a prática profissional.

Nesses quase sete anos de prática clínica, foram muitos aprendizados, e refletindo sobre esse assunto, gostaria de pontuar algumas questões que nos permeiam frente a prática clínica infantil.

Destaco aqui que o aprendizado é algo particular, único e que deixo então minhas principais observações frente a este universo de possibilidades que é a clínica infantil.

Costumo dizer que o principal aprendizado foi que a máxima “não existe receita de bolo” é real. Cada criança é um ser único e requer um plano de tratamento diferente.

O acompanhamento que faço com um paciente, não posso realizá-lo em outro, e muitas vezes são pacientes que nos apresentam a mesma queixa.

Parece óbvio para mim agora, mas em supervisões para novos psicólogos que estão começando a sua própria caminhada de aprendizados, percebo o quanto isso precisa ser dito.

Assim como para os profissionais, ressalto este ponto para a família em nosso processo de acolhimento.

Pai e mãe, sua família é única, singular, com necessidades e especificidades que a diferencia de outras, não se compare e principalmente, não compare sua criança com outras.

E não existe terapia infantil sem a participação familiar. São pessoas que interagem diariamente, um sistema único, que influenciam um ao outro todo o tempo.

A partir desse olhar, um olhar integral e para todo o contexto, é possível trabalhar com base em um diálogo aberto, respeitoso e de cuidado, onde angústias, medos e expectativas podem se manifestar e serem acolhidos e trabalhados.

Ressalto que, enxergando a necessidade, os pais deverão ser encaminhados a psicoterapia, mas antes disso, há um caminho a percorrer junto a essa família.

Outro ponto chave é, a observação é crucial no atendimento com crianças, e observar na clínica infantil requer um refinamento do olhar, um olhar não só para a queixa, mas também para a criança que ali se apresenta para você.

Valido a importância dessa observação citando Piaget, que diz que a criança nasce com a possibilidade orgânica de compreender e interpretar o mundo à sua volta e, a partir das trocas que estabelece com o meio ambiente no qual está inserido irá gradativamente ampliar suas habilidades de ação e compreensão deste universo.

Nesse sentido, observar a criança a partir de sua ação sobre os objetos e as relações que ela estabelece, assim como os caminhos que ela percorre tanto motora, quanto cognitiva e afetivamente para resolver as situações de sua vida, nos auxilia no entendimento das estratégias que ela possui para construir estruturas mentais de organização de si mesma e do mundo a sua volta.

Outro ponto que busco em minha prática, é diferenciar o que está sendo naquele momento um comportamento de proteção, de um comportamento que realmente está trazendo prejuízos para a vida da criança.

Acredito que esse ponto seja essencial para se lançar um olhar diferenciado frente a queixa trazida pela família.

Muitas vezes, uma queixa de uma criança vista como desatenta, “desligada” ou que “vive no mundo da lua”, em um contexto de uma família com brigas frequentes, com dificuldades em estabelecer um diálogo funcional, pode ser uma forma de regulação e proteção a sua saúde mental.

Não poderia deixar de citar o vínculo terapêutico com a criança. Esse sim, fará toda a diferença no acompanhamento. Somente através dele é possível alcançar nosso objetivo.

Vale destacar que o vínculo com os envolvidos no processo também se faz importante aqui.

Acolher, auxiliar e contribuir para a saúde emocional de todos os membros que compõem a família durante o processo terapêutico da criança, é a base para um atendimento individual bem-sucedido.

E quando falamos das relações, não nos relacionamos somente com a criança e sua família, mas também com os ambientes em que ela está inserida, como a escola, por exemplo.

E como estabelecer então o vínculo com a criança? Voltando ao aprendizado inicial, não existe uma “receita de bolo”, e aqui, existe algo subjetivo.

Entretanto, o brincar na criação do vínculo é essencial. Observe os interesses da criança, demonstre e deixe claro a sua busca genuína por ela.

E outro aprendizado da prática clínica infantil vai aqui: seguir os interesses da criança, não significa permissividade ou ausência de limites. As regras estabelecidas em terapia precisam ser valorizadas e respeitadas. Neste momento, a criança precisa ser aceita e acolhida.

Lembrando sempre que o brincar é a forma natural de expressão da criança, assim como a linguagem verbal é a forma de expressão dos adultos.

Isso vale para profissionais e pais: brinquem! O brincar cria, desenvolve e fortalece as conexões com sua criança.

Alguns autores citam o brincar como uma forma de autoterapia das crianças, pois é onde elas conseguem vivenciar e elaborar seus conflitos, preocupações e medos.

Acredito enquanto terapeuta infantil na potência das relações e do brincar, um aprendizado singular nesses anos de prática.

O principal objetivo na psicoterapia infantil é alcançar a criança em seu mundo lúdico e frente a isso, buscamos “encontrar” a criança em suas brincadeiras e não fazer com que ela simplesmente verbalize o que naquele momento a incomoda.

Precisamos enquanto profissionais ir além, nosso trabalho visa o desenvolvimento de potencialidades. Assim, é possível auxiliar a criança e sua família a se reorganizarem e readaptarem com o objetivo de viverem uma nova vida a partir do processo terapêutico.

E para finalizar este assunto tão amplo, onde poderia estendê-lo por muitas e muitas páginas, ressalto que o trabalho com crianças vai além da busca por uma causa de sua queixa ou diagnóstico.

Procuro na minha prática clínica olhar a infância com outros olhos, um olhar de empatia, respeito e afeto.

Estamos passando por um momento atípico e desafiador, que é a pandemia do Covid-19. Nesse momento, já percebemos muitos impactos na saúde mental de nossas crianças e por isso a importância de reafirmar essas relações de afeto e cuidado.

Seja você profissional, pai ou mãe, sugiro que busque e descubra a potência e a importância da infância.

Conte comigo nesta descoberta!

Por Sarah Izis

Youtube @descobrindocriancas

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